Entre direitos consagrados e constrangimentos operacionais: dissonâncias estruturais no sistema português de acolhimento de refugiados
Resumo
O texto debate a gestão do acolhimento dos refugiados que chegaram a Portugal através do programa de recolocação da União Europeia, em vigor entre 2015 e 2017. Confrontando os fundamentos político-jurídico-organizacionais do asilo e a sua operacionalização através de respostas sociais concretas, a análise mostra-nos um sistema de acolhimento permeado por evidentes dissonâncias. Tutelado por sólidos princípios jurídicos humanistas, insuflado de boa vontade política e escorado numa significativa transversalidade organizacional, encontra-se ainda muito limitado por constrangimentos operacionais vários que se manifestam de forma particularmente expressiva quando urge concretizar a proteção social anunciada no Direito e na retórica política. Esta clivagem estrutural resulta do posicionamento do próprio Estado português, que manifesta grande disponibilidade para receber refugiados e propõe-se à sua instalação em linha com a lei e as recomendações internacionais, ao mesmo tempo que tende a desresponsabilizar-se do resto do processo, transferindo para as autarquias e as organizações da sociedade civil grande parte dos encargos do acolhimento, sem lhes proporcionar as condições adequadas a um efetivo cumprimento das responsabilidades atribuídas. Tal situação pode, pelo menos parcialmente, tentar compreender-se tendo em conta que o sistema português de acolhimento à escala nacional é um empreendimento emergente, ainda sujeito a muitas contingências e com um longo caminho a percorrer. Porém, no presente, além de não assegurar a cabal realização de direitos, tem suscitado inúmeros e complexos desafios à intervenção a cargo das instituições locais, confrontando-as diariamente com a urgência de encontrar soluções para as necessidades das pessoas que acolhem.
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